Ainda que não tenha registrado agressões físicas, o debate promovido pela RedeTV! e pelo portal UOL na manhã desta terça-feira (17) foi quente, com as habituais discussões, trocas de acusações e ofensas que estão marcando a atual disputa pela prefeitura de São Paulo. O episódio mais agressivo foi entre Pablo Marçal (PRTB) e Ricardo Nunes (MDB), que bateram boca e precisaram ser advertidos pela mediação do debate. A cadeirada de José Luiz Datena (PSDB) em Marçal, no domingo passado, durante o debate da TV Cultura, foi trazida logo no início por Guilherme Boulos(PSOL), o que motivou defesa de Datena , e depois reapareceu em outras situações. Marina Helena (Novo) acusou Tabata Amaral (PSB) de usar um "jatinho" para visitar o namorado, o prefeito de Recife, João Campos. O encontro ainda ficou marcado por um festival de direitos de resposta.
Marçal e Nunes discutiram aos gritos já no primeiro bloco do debate desta terça-feira. O bate-boca começou em um direito de resposta concedido a Marçal, depois que o emedebista citou a sua condenação por furto qualificado na Justiça Federal de Goiás, em 2010, que acabou prescrita.
— Você vai ser preso por roubar dinheiro de creche. Você usou sua esposa para receber dinheiro de creche. Usou sua esposa e sua filha. Eu vou te colocar na cadeia — berrou Marçal, que foi ao debate desta terça-feira com a mão direita enfaixada.
A mediadora Amanda Klein precisou intervir e, também subindo o tom de voz, pediu respeito aos candidatos. Nunes, enquanto isso, gritou de volta, mas não foi possível entender o que falava em meio à gritaria. Klein ameaçou banir os dois do primeiro bloco do debate, regra que está prevista no regulamento.
A declaração de Marçal se referia a um relatório da Polícia Federal, que concluiu ter havido um esquema de desvio de verbas em creches administradas por organizações sociais em São Paulo. Na ocasião, a PF apontou que é necessária a continuidade das investigações sobre o prefeito Ricardo Nunes por suspeitas de lavagem de dinheiro. O documento aponta elos entre o prefeito, que na época era vereador, e a Associação Amiga da Criança e do Adolescente (Acria), que gerencia atualmente nove Centros de Educação Infantil (CEIs) em São Paulo.
Bate-boca entre Marçal e Nunes
Marçal acionou Nunes na primeira pergunta do debate, apelidando-o de “bananinha”. A produção do debate não admitiu o uso da expressão e pediu que o candidato do PRTB dissesse o nome do adversário. “Futuro ex-prefeito, então”, declarou o ex-coach, que gastou todo o tempo da pergunta para comentar o episódio da agressão de Datena.
— Datena não é homem e aqui eu ratifico. Ele não é homem, é um agressor. As cadeiras foram parafusadas aqui no chão porque ele teve comportamento análogo a um orangotango, em uma tentativa de homicídio contra mim — afirmou ele.
O prefeito reagiu repudiando o comportamento de Marçal, dizendo estar “decepcionado com a sua participação nesse processo eleitoral”.
— Você chegou só agredindo a todos: é o pai da Tabata, o Datena, o Boulos e a mim. Acho que isso é muito ruim pra você, e estou falando como se fosse teu pai que te deu tantos conselhos lá atrás. Precisamos elevar o nível — declarou Nunes.
Marçal, então, destacou as inserções de rádio da campanha do emedebista que tentam vinculá-lo ao Primeiro Comando da Capital (PCC). As suspeitas recaem sobre membros do seu partido, o PRTB, e não propriamente o empresário.
O candidato chamou Nunes de “tchutchuca do PCC”, em referência a contratos de empresas de ônibus investigados pelo Ministério Público de São Paulo. Disse ainda que Nunes falava de respeito no debate, mas “agrediu a esposa”, lembrando um boletim de ocorrência feito pela sua esposa, Regina, por ameaça, em 2011, cujo teor depois foi negado por ela.
A troca de ataques continuou com Nunes dizendo que não cairia no “golpe” de Marçal de levar o debate para esse lado.
— E você tem um histórico de vida em dar golpes. Respeita a minha família, nunca levantei o dedo para a minha esposa — disse Nunes.
O comentário rendeu o direito de resposta de Marçal em que os dois discutiram aos gritos.
Nesse meio tempo, Datena ainda entrou no meio da discussão, em razão da pergunta feita pelo ex-coach. O tucano afirmou que “o único jeito de conversar com bandido, com ladrão de velhinhas, é a Justiça” e lembrou que entrou com um processo de injúria.
— Eu não bato em covarde duas vezes — disse Datena, argumentando que “muitos juristas” consideram que a cadeirada no debate da TV Cultura poderia ser enquadrado numa tese de “legítima defesa da honra”.
"Cadeirada quem levou fui eu", diz Datena
O debate começou com Boulos perguntando a Datena sobre as suas ideias para a população mais pobre, e lembrou “do que aconteceu no último debate” porque “o meme tem data de validade, mas os problemas de São Paulo não”. Datena respondeu não estar feliz com a agressão, mas se justificou.
— Eu espero que democraticamente, o respeito pela democracia, seja o que paute esse debate. Eu não tenho palavreado político, não sei agir como político, não estou nenhum pouco feliz com o que aconteceu no último debate, mas desde criança meu pai me ensinou que eu teria que honrar a minha família até a morte, e estou disposto a fazer isso. espero que o povo de São Paulo tenha um debate com propostas. As minhas são simples: segurança com reforço da guarda, saúde com UBS mais duas horas (de funcionamento), educação com as creches mais duas horas (abertas) e reforçar o serviço de inteligência da nossa gloriosa Polícia Civil junto com a nossa Guarda Civil.
Mais tarde no debate, Datena questionou Marina Helena sobre seu ataque ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), durante ato de 7 de setembro na Avenida Paulista. A candidata do Novo respondeu que tem “muito orgulho de defender a liberdade de expressão” e usou seu tempo para criticar Datena por ter agredido Marçal no último debate
— Eu me preocupo muito com o que está acontecendo nessa eleição, eu repudio as baixarias e repudio os ataques violentos verbais, mas não é possível que nós, como sociedade, aceitemos a equiparação de uma violência verbal, que faz parte da democracia com uma violência física. Em qualquer outro lugar do mundo, um candidato que tivesse tacado uma cadeira e colocado em risco a vida de outro candidato, sairia algemado. A nossa sociedade está vivendo com a sociedade por causa dessa relativização. Você não tem inteligência emocional — falou.
Datena disse que foi ele quem levou uma cadeirada e alegou “legítima defesa” em sua ação:
— Cadeirada quem levou fui eu, por ter sido acusado de um crime hediondo que eu nem passei perto de cometer, um processo que já foi arquivado e que nem falava de estupro. Tem um comentário do jurista (Wálter) Maierovitch (em coluna no UOL), ele diz que foi legítima defesa. Eu fui atacado de forma vil, canalha, absurda. A cadeirada quem levou fui eu. Agora a cena que esse covarde fez para ser internado no Sírio (Libanês), ele deveria ter sido internado no oitavo andar, que é a ala psiquiátrica — falou.
Marçal pede perdão a Tabata
Além do embate entre Nunes e Marçal, uma pergunta de Tabata para Marçal também gerou falas acaloradas do ex-coach sobre os adversários. Em determinado momento, Marçal chegou a pedir desculpas para Tabata por ter falado sobre o pai dela. Em uma entrevista em julho, o candidato do PRTB insinuou que a deputada federal teria culpa pela morte de seu pai, que se suicidou quando ela tinha 18 anos.
— Ricardo Nunes, no último debate o ‘Boules’ chamou ele de ladrão de creche, eu não estou te acusando disso, quem tá acusando é a Polícia Federal, se vocês continuarem deixando esse cara no poder, ele vai usar a influência dele para manter esses desvios. Tabata, me perdoe, eu fui injusto com você, eu não sabia o suficiente sobre você. Sobre o Ricardo Nunes, ele vai para a cadeia. (...) Eu estou levando pancada atrás de bancada, eu te peço perdão, eu cometi um erro com relação a seu pai, eu quero saber se você me perdoa, Tabata — disse Marçal.
Tabata então respondeu criticando o adversário:
— Pablo Marçal não se remenda, porque ele lucra com isso. Ele mente, ele ataca, ele faz seu espetáculo porque ele ganha dinheiro com isso, ele lucra sobre a miséria das pessoas, foi assim na Angola, foi assim nos golpes que ele deu. Pablo Marçal não conhece a nossa cidade, diz que o pobre gosta de baixaria. Eu sou uma filha orgulhosa da periferia, e se teve uma coisa que aprendi em casa foi a nunca pegar nada dos outros.
Na tréplica, Marçal reforçou que “passou do limite” de falar de uma história de sua família e que “todo mundo erra”.
Marina acusa Tabata de usar "jatinho"
Marina Helena acusou Tabata Amaral de “usar jatinho” para visitar o namorado da deputada, o prefeito de Recife, João Campos (PSB). A candidata perguntou “quem pagou” pelas supostas viagens, que foram negadas por Tabata.
— Marina, me desculpe, mas isso é um delírio. Eu tenho família em Feira de Santana, e a última vez que fui, fui de ônibus. Inclusive não recomendo, porque Minas Gerais não acaba nunca. Eu nunca fiz viagem de jatinho para visitar meu namorado — disse a deputada, que, na sequência, deixou o assunto de lado e falou sobre uma proposta para promover um programa de intercâmbio para os alunos da rede pública municipal.
Na réplica, Marina repetiu a acusação.
— É muito importante saber os apoios que os candidatos têm, quem paga suas contas, ela andou sim, de King Air (modelo de aeronave) para visitar seu namorado em Recife. Eu não tenho nada contra isso, a questão é a falta de transparência e de onde vêm esses recursos — voltou a acusar Marina Helena, que recebeu um “aguarde um processo” de volta de Tabata, que voltou a negar o uso de jatinho.
Marçal lembra linguagem neutra de Boulos
Marçal usou a segunda intervenção com Boulos, provocando o psolista com o apelido “Boules” e uma suposta defesa da chamada “linguagem neutra” por parte candidato do PSOL. O episódio é referência a um comício da candidatura do deputado federal que ocorreu em 24 de agosto no Campo Limpo, Zona Sul de São Paulo.
Na ocasião Boulos, ao lado do presidente Lula e diversos ministros de estado, estavam no palco posicionados para a execução do hino nacional pela cantora Yurungai, que acabou usando termos de linguagem neutra na letra do hino. A artista trocou o trecho "Dos filhos deste solo" para "Des filhes deste solo". O caso acabou sendo repudiado pela campanha de Boulos, que disse que não sabia do uso de linguagem neutra e acabou culpando a organização do evento, e causou incômodo no presidente Lula.
Na sequência, o candidato do PRTB contestou a alegação do oponente que teria sido preso apenas ao defender ocupações, lembrando a vez em que foi parar na delegacia depois de protesto do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) em frente à Fiesp, quando foram registrados danos na fachada.
— Você ataca, mente e depois toma uma cadeirada — rebateu Boulos, que depois evitou comentar o assunto e passou a defender a proposta de criar o “Poupatempo da Saúde” para zerar a fila de exames e procedimentos em São Paulo.
Aproveitando que estava aparecendo na tela dividida, Marçal colocou o adesivo com seu número de urna na boca, dando a entender que estaria sendo “censurado”. O ex-coach usou a réplica para alegar que Boulos não teria construído casas ao destinar emendas como deputado e lembrou o episódio da carteira de trabalho, que virou “meme” nas redes sociais.
— Provei com a carteira de trabalho que ele é um desequilibrado, um tirano. Ele tentou tirar da minha mão — declarou Marçal.
O candidato afirmou ainda que entraria com um boletim de ocorrência por ameaça contra Nunes por conta do bate-boca no primeiro bloco.
Propostas, enfim
A segunda parte do debate teve perguntas de jornalistas da RedeTV! e do UOL. Marina Helena defendeu a proposta de estabelecer uma “tarifa flexível” no transporte público para tentar reduzir o fluxo nos horários de pico. Datena disse que não se sente constrangido de estar numericamente atrás de Tabata nas pesquisas depois de recusar o convite para ser seu vice, dizendo ser “mérito dela”.
Boulos justificou o seu parecer contra a cassação do deputado André Janones (Avante-MG) no Conselho de Ética da Câmara pela “jurisprudência” aplicada no colegiado e prometeu combater a corrupção na prefeitura se for eleito. Marçal reiterou a ideia de que existem “desempregados profissionais” recebendo Bolsa Família e disse que pretende criar 2 milhões de empregos nas periferias de São Paulo.
Nunes desviou de uma pergunta sobre a perda de R$ 2,5 milhões por atrasos na renovação do CadÚnico dizendo que criou um mutirão aos domingos e que a cidade conta com 32 unidades do “Descomplica” para resolver a questão. Tabata disse que o eleitor progressista deveria votar nela, e não em Boulos, porque não perde para ninguém no segundo turno e tem capacidade de somar esforços com o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) e o presidente Lula (PT).
Boulos acusa Nunes sobre centro oncológico
Ao perguntar para Nunes durante o debate, Boulos disse que o prefeito está travando a liberação de um terreno da prefeitura na Vila Clementino, Zona Sul de São Paulo, que vai abrigar um hospital oncológico a ser construído pelo governo federal, por divergências políticas com o presidente Lula (PT). Nunes negou.
— Estive na semana passada com a ministra Nísia Trindade num terreno que é da prefeitura, ali ao lado do Hospital São Paulo, onde já era para ter sido construído um novo centro oncológico, com todo dinheiro do governo federal. O presidente Lula já disse que vai liberar 17 andares para atender a fila do câncer. Tem mais de 2 mil pessoas esperando na fila do câncer em São Paulo, porque você não assinou a liberação do terreno. Por que você fez isso, Nunes? — questionou o psolista.
O prefeito chamou a acusação de “desinformação”, não respondeu diretamente sobre o terreno da Vila Clementino e afirmou que “todas as necessidades do governo federal” ele trata diretamente “com o ministro Alexandre Padilha”.
— Não misturo as coisas. Eu fiz a liberação do terreno para o Instituto (Federal) lá na Cidade Tiradentes, fiz a desapropriação no Jardim Ângela, eu só queria que você não viesse com conversa fiada. Não existe nada parado. Mas falando em tratamento para câncer, nós perdemos o prefeito Bruno Covas em maio de 2021. Em 16 de maio de 2022, eu inaugurei o Centro Oncológico Bruno Covas, ali na Avenida Santa Catarina, lá você tem todos os equipamentos que tem no Einstein. E vinha 25%, hoje é diferente, a prefeitura coloca 25% dos recursos da saúde e vem 14% do governo federal. Eu elevei para 20 bilhões o recurso da saúde — falou.
Dobradinha de Marçal e Marina
Marina Helena procurou Marçal para uma “dobradinha” no mesmo bloco, indagando o candidato a respeito de propostas para a saúde. A proposta da postulante do Novo era destinar um voucher para os moradores procurarem clínicas particulares caso eles não consigam marcar uma consulta dentro de 30 dias.
Marçal, por sua vez, abordou aspectos indiretos, prometendo criar “escolas olímpicas” para oferecer uma “identidade esportiva” e reduzir problemas de saúde. Aproveitou o tema ainda para atacar adversários em termos de aspecto físico, dizendo que alguns têm “risco altíssimo” de enfrentarem doenças cardiológicas.
Tabata, que ficou para o final, precisou direcionar a pergunta a Marina Helena e conseguiu deixar a candidata desconfortável ao pedir propostas sobre saúde mental. Na resposta, Marina começou a falar da cobrança de impostos, que considera elevada, e prometeu acabar com indicações políticas na gestão municipal, a quem chamou de “parasitas”.
— É preocupante que a candidata não tenha proposta — confrontou Tabata, que usou o tempo restante para prometer equipes especializadas em todas as Unidades Básicas de Saúde (UBS) e apoio para mães atípicas, que têm filhos com deficiência e outras condições.
Marina acusou, então, a candidata do PSB de copiar suas ideias e retomou a proposta do voucher que havia acabado de abordar na sua pergunta a Marçal.
— Essa é a minha proposta e é muito simples — concluiu Marina.
Considerações finais
Ao final do debate, cada candidato teve 1 minuto e 30 segundos para conversar livremente com o eleitor. Marina Helena tentou desviar votos de Marçal ao criticar o número de episódios de violência política no Brasil, pedindo aos paulistanos para não “estimular esse tipo de comportamento” através do voto. Datena disse que é o mais preparado para combater o crime organizado e, de maneira dramática, ofereceu a sua vida à tarefa porque não teria “medo de morrer” e já “viveu o suficiente”.
Nunes destacou ações à frente da prefeitura e reforçou o bordão da sua campanha, “caminho seguro”, para alegar que é o mais capacitado pelo histórico político. Tabata acusou os adversários de se atacarem de propósito “para ter inúmeros direitos de resposta” e sugeriu aos eleitores que não elejam “quem grita mais alto”, e sim quem usa o tempo para apresentar propostas.
Boulos equiparou as atitudes de Marçal a de Nunes e, de maneira velada, deu a entender que é a única opção para quem não concorda com a gestão do atual prefeito e, ao mesmo tempo, não “quer ir para o abismo” com o ex-coach. Marçal recitou um versículo da Bíblia e pediu aos cristãos, católicos e evangélicos, a se levantarem “contra o comunismo”, atribuindo a disputa a uma espécie de Guerra Santa onde “o valor de uma sociedade está em jogo”.
Próximos debates
Na sexta (20), o SBT promove um debate a partir das 11h15. No dia 28, a Record TV promoverá um debate às 21h, e a TV Globo fará o seu em 3 de outubro, a partir das 22h. No segundo turno, estão previstos debates na Band, na RedeTV e na TV Globo.
O GLOBO começou, nesta segunda-feira, a série de sabatinas com os cinco candidatos mais bem colocados nas pesquisas, em parceria com a Rádio CBN e com o jornal Valor Econômico. O primeiro entrevistado foi Ricardo Nunes. Na quarta-feira, será a vez de Datena e na quinta de Tabata Amaral (PSB). Já no dia 23, é Pablo Marçal (PRTB) quem será entrevistado, seguido de Guilherme Boulos (PSOL) no dia 24.